segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Fragmentos de infância

Estava sentado numa cadeira preta de estofado gostoso, equanto olhava pela janela o céu cinza. Olhou as horas no computador que estava ligado á sua frente. Levantou e pegou algumas canetas marca-texto fluorescente e algumas outras da pentel preta de ponta porosa num grande armário de ferro cinza, aproveitou e roubou alguns maços de papel sulfite. Sentou novamente na cadeira e começou a riscar alguns desenhos, que para a sua idade eram bem avançados. Riscou, riscou e riscou como se nada mais fosse importante. Alternava traçadas no papel com goladas de água, vinda de uma garrafa que trouxera de casa. A porta se abre e ele rapidamente tenta esconder todas as canetas que havia furtado. Um homem entra, ele é seu pai. Ele sorri e o permite ficar com todas aquelas coisas, afinal era o que mais tinha naquele lugar. Rapidamente, guardou todo o conteúdo em um envelope branco. Feliz e mal podendo esperar para chegar em casa e continuar desenhando. Saíram de lá e comeram num botequinho de esquina. O pai elogiou o seu comportamento. E elogiou todos os desenhos que foram feitos - inclusive um que teve o seu destino a carteira do pai. Ele sorria por dentro.

...

Sua vó mora em um lugar muito longe. Muito longe mesmo. E toda vez que surgia uma oportunidade ele ia até lá, se mandava de ônibus mesmo - desde sempre esteve acostumado a andar sozinho por aí. Preparava uma mochila com roupas e ia. Não ficava menos do que uma semana - isso em todas as férias. Como amava a sua avó. Uma das criaturas mais queridas por ele, sem sombra de dúvidas. Era sarcástica, era amarga, era fofoqueira, era ranzinza e boca suja. Mas ainda assim era muito querida por ele. E de certa forma, não podia deixar de sentir certa admiração por ela. Gostavam de cozinhar juntos, fazer salgadinhos fritos pra comerem vendo novelas mexicanas, levavam o cachorro pra passear, buscavam água numa fonte natural, as vezes até plantavam juntos. Sua vó tinha um par de codorninhas numa gaiola bem grande, a qual ele abria a portinha religiosamente todos os dias para colher os dois ou três ovinhos que as aves produziam. No fim da semana eles juntavam e faziam algum prato gostoso. Sua vó era católica. Não aquele tipo de católico fervoroso, mas uma católica de costumes e só ia á missa pra não ser mal falada pelo bairro. Na verdade ela detestava o padre e o maldizia pra quem quisesse ouviro. Certa vez, quando morava com sua avó, ele ficara muito triste. Era a manhã do seu aniversário de treze anos e ele levantou sorrindo, achando que sua vó iria parabenizá-lo pelo seu dia. Ela não o fez e simplesmente continuou preparando o café da manhã, como se fosse uma dia qualquer. O dia inteiro se passou e várias pessoas ligaram no telefone daquela residência para desejá-lo felicidades. Mas a sua avó permanecia calada, vendo a televisão e falando mal das apresentadoras "que são tudo um bando de puta". Ela só foi lembrar que era o seu aniversário as 21:00 da noite, quando já estava preparando a cama. Pediu mil desculpas e deu-lhe um real para comemorar o aniversário.

...

Era uma tarde como outra qualquer. Estava muito sol. Muito mesmo. Havia um clima de ansiedade no ar, como sempre ocorria quando sabia que ia pra casa dos seus parentes. Era uma das coisas que mais gostava nesse mundo. Sua tia estava para chegar. Atrasada, pensou ele. Passados alguns minutos ela chegara em sua porta. Deu uma última olhada no espelho e conferiu a sua imagem. De acordo, pensou. Pegou sua mochila azul royal da RISCA e foi com sua tia de ônibus. Antes pararam em uma mercearia pra comprar alguma coisa pra comerem no caminho. Compraram um doritos e uma coca-cola. Foram o caminho inteiro conversando. Adorava a sua tia e a tinha como sua segunda mãe. A viagem era tão longa, que decorrido um certo tempo a noite já dava as caras. Desceram em um ponto qualquer e caminharam até uma empresa grande que ele não conhecia. Sua tia lhe mostrou e disse que era o seu trabalho e ela iria pegar algumas coisas que esquecera. Ele concordou e ficou esperando sentadinho na muretinha em frente à empresa, imponente e grande. Pensou em como sua tia devia ser importante ali. Ou talvez nem fosse, mas ele preferia pensar que sim. Sua tia voltou depois de um tempo e ao caminharem até o ponto de ônibus ele viu uma banquinha vendendo animais de E.V.A. Sua tia viu que ele se interessara pelo conjunto de animais e o comprara. Ele sorriu e agradeceu. Pediu um sufflair também. Subiu no ônibus entre passos longos, para acompanhar sua tia alta, e mordidas no chocolate.

...

O menino estava na praia lendo uma revista da MTV. Pensando em como era estranho estar ali sem ao menos querer estar ali. Fechou a cara e completamente vestido se sentiu incomodado pelo fato de as pessoas o olharem como se ele fosse um extraterrestre. Ele olhou pra si mesmo e viu que ele não era o que queria ser. Porra! Ele queria ser bonito e ter tatuagens. Era só o que pedia a Deus. Poderia ter uns piergings também, eram bem vindos. Pensou em como deus fora injusto na distribuição de beleza e fez ele um desastre humano. Não gostava de nada na sua aparência, exceto suas mãos. Sempre gostou das suas mãos. Ele listou mentalmente o que faltava para ter a beleza que queria...Hummm...Ser uns 20 ou 30 kg mais magro, ter tatuagens, piercings e usar roupas que ele considerasse legais, não aquelas roupas que sua mãe comprava. Pensou que seria bem feliz no dia que ele conseguisse se transformar nisso. Pensou que outra personalidade o aguardava junto com a aparência nova, e as vezes no espelho, treinava sorrisos e expressões que combinariam mais com a sua nova personalidade que estava escondida lá dentro. Muito tempo se passou e ele conseguiu se tornar o que queria. Exatamente o que ele queria. Mas não se sentiu bonito e nem com outra personalidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário